
Em um cenário cada vez mais complexo de relações de consumo, especialmente no mercado imobiliário, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu uma decisão relevante que esclarece os limites da responsabilidade solidária de empresas envolvidas na cadeia de fornecimento. A Terceira Turma do STJ, por unanimidade, reconheceu a ilegitimidade da corretora de imóveis e da empresa de pagamentos em uma ação de rescisão contratual por atraso na entrega de obra.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) havia condenado solidariamente as três rés – CONSTRUTORA, CORRETORA e EMPRESA DE PAGAMENTO – à devolução das parcelas do imóvel, da taxa de personalização e dos valores pagos pela comissão de corretagem, sob o fundamento de que todas pertenciam à cadeia de consumo, caracterizando responsabilidade solidária.
A Clarificação do STJ: O Alcance da Cadeia de Fornecimento
O Recurso Especial interposto questionava a legitimidade e a ausência de responsabilidade de ambas as empresas, alegando inexistência de falha na prestação de seus serviços.
Ao julgar o Recurso Especial interposto, a Ministra Relatora Nancy Andrighi destacou que, embora o Código de Defesa do Consumidor (CDC), nos arts. 7º, parágrafo único, e 25, preveja a responsabilidade solidária de todos os autores da ofensa pela reparação do dano, abrangendo toda a cadeia de fornecimento, essa responsabilidade não é ilimitada. Segundo o entendimento do STJ, quando o negócio jurídico consumerista envolver relações jurídicas diversas, a responsabilidade dos fornecedores estará limitada à cadeia a que pertencem. Ou seja, para ser considerado integrante da cadeia de consumo e, portanto, responsável, o suposto fornecedor deve ter contribuído com produtos ou serviços para o fornecimento do principal.
Corretoras de Imóveis: Mediação ≠ Construção
No que tange à corretora de imóveis, a Corte Superior ressaltou que sua atuação, em regra, limita-se à intermediação entre as partes contratantes, sem interferir na execução da obra ou no procedimento de incorporação imobiliária. O art. 725 do Código Civil estabelece que a remuneração é devida ao corretor se este conseguir o resultado previsto no contrato de mediação, mesmo que o negócio não se efetive por arrependimento das partes.
Assim, a responsabilidade da corretora de imóveis está associada ao serviço por ela ofertado, qual seja, o de aproximar as partes e prestar informações sobre o negócio jurídico. A relação jurídica de corretagem é distinta daquela firmada entre o comprador e a incorporadora, e a responsabilidade da corretora se limita a eventual falha na prestação do serviço de corretagem.
Portanto, na hipótese em que a rescisão contratual ocorre apenas por atraso na obra, sem que se verifique qualquer falha na prestação do serviço de corretagem ou o envolvimento da corretora no empreendimento imobiliário, não se mostra viável o reconhecimento de sua responsabilidade solidária. A corretora não tem legitimidade passiva para responder pela ação quando a causa de pedir da rescisão contratual é o inadimplemento pelo atraso da obra. A restituição dos valores, incluindo a comissão de corretagem, fica a cargo da empresa que deu causa ao atraso construtivo, ou seja, a incorporadora.
Empresas de Pagamentos: Meras Facilitadoras Financeiras
Quanto às empresas de pagamentos conhecidas como “pagadorias”, o STJ esclareceu que elas atuam na gestão financeira de contratos diversos, facilitando as transações entre consumidores e fornecedores, geralmente contratadas pela corretora para administrar o repasse de valores. Suas atividades incluem a emissão de boletos e o gerenciamento de quantias.
A Ministra Relatora enfatizou que a responsabilidade das pagadorias se limita aos danos causados por falhas na cadeia de fornecimento que elas integram. Contudo, assim como as corretoras, as pagadorias não integram a cadeia de fornecimento de incorporação imobiliária. Consequentemente, sua responsabilidade não se estende a eventuais inadimplementos do contrato de compra e venda de imóvel, como o atraso na entrega da obra.
A Decisão Final e Suas Implicações
Diante dessas razões, o STJ conheceu e deu provimento ao recurso especial interposto reconhecendo a ilegitimidade da corretora e da empresa de pagamento. A condenação à devolução dos valores deve ser suportada apenas pela construtora, que foi a responsável pelo atraso na obra.
Essa decisão reforça a importância de analisar cuidadosamente as relações jurídicas em contratos complexos, como os de compra e venda de imóveis na planta. Embora o CDC preveja a solidariedade, ela não é absoluta e deve ser aplicada aos fornecedores que efetivamente integram a cadeia de fornecimento relacionada ao serviço ou produto defeituoso. Para corretoras e empresas de pagamentos, a responsabilidade é restrita à sua área de atuação específica, afastando-se de problemas que fogem à sua órbita de controle, como o atraso na construção.